A Janela por Patrícia Viale

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Foto: Divulgação Unsplash

Minha janela para o mundo é a tela do computador. Abri a janela na semana passada. Era domingo. Um pedido de sangue para Tiaraju, que morreu dias depois. Ele tinha 40 anos, era vocalista de duas bandas e tatuador. Acredito que 80% das pessoas tatuadas em São Chico tenham o traço dele registrado na pele. Uma infecção generalizada acabou com a sua vida. A família, antes, me pediu para buscar doadores de sangue. Precisava de duas bolsas. Dias depois foram oito. Estávamos em mais de quinze, na véspera de sua morte. Eu abro a janela e canto um cântico que é de solidariedade e sentimento. A comoção foi grande. Trinta doadores se apresentaram. Não tivemos tempo de chegar no hemocentro, a morte do Tiaraju passou antes.

Este abrir a janela é sempre complicado. Reacende a dor de janeiro de 2007, a que me fez começar tudo isto, o acidente do meu irmão, o Chico Viale. Ele tinha 28 anos, dormiu na direção enquanto se deslocava para a praia e entrou debaixo de um caminhão. Parte da cabeça muito machucada, carótida rompida, baço perfurado, preso nas ferragens, mas a vontade de viver permaneceu por mais 63 dias, mesmo que em estado de coma.

Meu irmão precisou de 40 bolsas de sangue na cirurgia de emergência. A vida dele não dependia deste sangue, mas a minha, sim. E lá me agarrei nesta procura constante por doadores de sangue. Foram 500 em uma semana. Dois mil no ano de 2007. Meu irmão morreu em 16 de março de 2007. Para mim ele morreu no dia do acidente, mas fez persistir sinais vitais para cutucar os meus. Sempre que me pedem ajuda para captar, buscar doadores de sangue eu morro um pouquinho e revivo depois, devagarinho.

Criei a Associação Chico Viale em julho de 2007. Perdi a conta de quantas pessoas vi morrer nestes 15 anos. Eles morrem de montão. E eu me vou um pouquinho com cada um deles. Trabalho por todos como trabalhei pelo Chico. Aprendi que isto é vida.

E também aprendi que no quase morte tem renascimento. Naqueles que renascem nas transfusões de sangue, eu me faço mais viva também. Os que sobrevivem, com suas famílias, me encontram depois. Na fila do supermercado, no café na padaria, caminhando na rua. Me contam que sou um nome nas orações diárias deles. Fico me perguntando quando eu receberia tanta luz e oração, se meu irmão não tivesse morrido. A vida é luz e escuridão o tempo todo. É abrir e fechar janela. Não é bom ou ruim. É movimento necessário para continuar. Nada mais que isto.

Uma resposta

  1. Patricia e seus dons: dom de escrever, de nos emocionar e principalmente, de ajudar. Quem a conhece, sabe.

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